"O tempo voa sobre
as nossas cabeças
E só quando paramos para
pensar
É que notamos como ele corre sem parar"
Meio emaranhada
na rotina do dia a dia, infelizmente, há coisas que vão ficando para trás. É de
facto quando paramos para pensar que notamos que o tempo voa sem parar...
Em tempos achei que era desta forma que cuidava do meu
eu espiritual e escrevia sempre que havia a necessidade de partilhar algo
contigo, libertar algo de mim ou simplesmente divagar...
Actualmente tenho-me esquecido de ti, de partilhar contigo
alguns momentos e alguns sentimentos... Desde a ultima vez, muita coisa mudou na minha vida,
quer a nível pessoal, quer a nível profissional. Certamente sabes que estou bem e feliz porque pelo pensamento estamos
sempre em sintonia.
Mas sabes o que é curioso, tenho descoberto com cada coisa acerca da minha
vida... Acerca do meu Eu...
Tudo surgiu em contexto profissional... Andei a fazer uma formação "Vida e Morte: a mesma preparação"...
Ena... as coisas que descobri... Talvez para ti não sejam novidades porque me
conheces e sempre as soubeste. Mas para mim que sempre achei que nunca tinha
tempo de pensar nestas coisas (ou pelo menos sempre me auto-desculpei com este
argumento), lá, tudo fez sentido.
Vou então falar-te um pouco desta minha experiência...
Morte
Quando penso na tua,
apesar de ter sido num passado tão distante e não fazer parte deste mundo na
altura, sinto sempre os olhos a encherem-se de lágrimas quando penso na maneira
cruel como deixaste este mundo. É certo que não há idade ideal e nenhuma
maneira é boa para se morrer mas acidentalmente e tão precocemente, é algo que
me inquieta. Sim, adoraria ter andado ao teu colo, comer gelados contigo, ir
aos baloiços contigo, deitar-me no teu colo e adormecer a ouvir-te contar as tuas
historias.
Um assunto delicado...
Cada vez que surge em conversa, seja em que contexto for, alguém a certa
altura acaba por dizer "Credo,
deixemos de falar em coisas más..." tentando desviar o assunto. Mas
porque razão temos esta tendência? Será porque a morte é tudo e nada ao mesmo
tempo?
No contexto da formação fui conduzida a pensar na morte, nos medos
associados à morte, nos sentimentos que pode provocar, naquilo que sei acerca da morte...
Sei que faz parte do ciclo, sei que é o contrario de vida. Para mim é o
fim, a ultima etapa do ciclo, algo que idealizo muito longe... Algo que provoca
medo, tristeza, sofrimento, saudade, choro.
Algo que evito pensar pelo medo que tenho em morrer sozinha ou pelo
sentimento de perder alguém próximo.
Não, não gosto de falar sobre este assunto, mas na formação não tinha fuga
possível. Foi uma experiência positiva onde partilhamos diferentes vivências e
diferentes formas de pensar.
O Rio da Minha Vida
Fiz "O rio da
minha vida" e constatei que realmente tenho sido uma
lutadora e que desistir nunca foi nem é para mim. Que me transformo a cada dia
que passa, a cada prova que supero, numa pessoa diferente de ontem... Constatei
que sou persistente, sonhadora e positiva... Mas também constatei que
ainda existe em mim "a menina" emotiva e sensível que
facilmente se emociona quando fala das dificuldades e das alegrias da vida. Afinal
retratei num pedaço de papel aquilo que são 28 anos de uma vida feliz e
realizada.
Ter as coisas resolvidas...
Algo que também constatei, e nisto sim, eu reflicto algumas vezes, é que o
simples ato de fazer julgamentos torna-se facilmente num vicio para todos os
comuns mortais: facilmente julgamos que todos os sentimentos que nutrimos pelas
pessoas permanecem imutáveis ao tempo ou à distancia e que todas as relações
após conquistadas não precisam ser cuidadas. Facilmente mudamos de
"amigos" e facilmente esquecemos quem nos esquece. E é neste
contexto, com esta ideia, que deixamos muitas vezes o coração deixar de bater
por quem batia, deixamos para trás quem sempre esteve ao nosso lado e para
longe quem sempre esteve perto. Talvez porque diariamente nos descuidados com a
desculpa que não temos tempo, que é dado adquirido e nos esquecemos de dizer a
quem nos rodeia "És importante para mim" ou "Obrigada por
tudo". Sabemos criticar facilmente quando aquela pessoa não nos mandou uma
mensagem a dar força quando mais precisamos mas não temos a capacidade de analisar
a hipótese que poderá ter acontecido algo para não o ter feito. Sim, é mais fácil
apontar o dedo ao invés de perceber a razão dos acontecimentos.
Não sou perfeita e sim também já tive os meus momentos assim, as minhas
criticas, os meus momentos de má língua... A diferença está em não me deixar
absorver por isso e saber retirar o melhor partido daquilo que considero menos
positivo, daquilo que me tenta deitar
abaixo, daquilo que me magoa ao invés de fritar o cérebro a remoer naquilo que
não foi dito ou que ficou por fazer...
Enfim... O ser humano é complicado e adora complicar.
Durante todos os momentos de reflexão que tivemos em grupo foi fantástico
constatar que estou rodeada de pessoas que amo e que de igual modo me
amam, mesmo que passem dias sem nos falarmos, parecendo que comunicamos como
uma espécie de telepatia. Pessoas que não me apontam o dedo dizendo que me
afastei ontem, estive ausente hoje... Pessoas que simplesmente me aceitam assim
como sou e aproveitam o momento presente, os sorrisos e as gargalhadas. É aqui
que reside o segredo da felicidade (pelo menos o meu): viver um dia de cada
vez!
O que levar para uma ilha deserta durante um ano ...
A certa altura da formação foi-me colocada esta questão...E quando fui
questionada com o possibilidade de passar um ano numa ilha deserta, levando
apenas um objecto .. é claro que a escolha foi fácil e quase automática. Tu que
me conheces sabes que tempo não iria faltar para registar num livro em branco gigante todos os
sentimentos, todos os momentos vividos ao longo de 365 dias isolada de tudo em
corpo, mas exposta a todos em pensamento..
Se o mundo acabasse no final deste ano: o que não
mudava e o que fazia...
Este não é um assunto que pense muitas vezes mas é um assunto delicado e
que quando levada a reflectir sobre isto dói pensar... Na verdade o que não
mudava é a minha maneira de ser, a minha personalidade. Continuaria a ser a
pessoa que sou hoje... Amiga, honesta, sincera, meiga, perfeccionista, teimosa,
lutadora. Não mudava os amigos e não mudava a família, bem como não mudava
todos os momentos de lazer, de partilha, de sorrisos e diversão que passamos
juntos.
Relativamente ao que fazia até ao dia em que acabara o mundo, a formadora
acrescentou a ideia de que não haveria restrição de dinheiro. É claro que assim
sendo a ideia de deixar para trás a minha vida profissional foi a primeira
coisa que me surgiu no pensamento. Não porque não goste daquilo que faço, mas
sim para ter tempo para dedicar mais de mim a todos os que me rodeiam e ter
tempo e disponibilidade para preparar o meu final feliz.
Depois de deixar o trabalho, ia buscar aquela pessoa que sabes que é a
minha razão de viver e iria viajar 2 meses por esse mundo fora com ela. Depois
de regressar, reunia todos os recursos para construir A NOSSA CASA na Figueira da Foz (aquela casa, tu
sabes). O próximo passo seria adoptar uma criança (visto que o mundo iria acabar
dentro de 8 meses, não haveria tempo para uma gravidez) e neste caso eu seria
uma pessoa muito mais feliz por saber que embora não biológica eu seria MÃE!
Depois parecia-me muito bem poder regressar às origens e ver-me livre de
uma vez por todas da palavra saudade: levava todas as pessoas importantes da
minha vida de cá (Lisboa) para lá (Figueira da Foz) e assim poderia viver os últimos
meses da minha vida em Harmonia, sem a luta constante de estar dividida entre
dois mundos. Depois, nessa altura, estaria em pleno equilíbrio para escrever O
MEU LIVRO. E então sim, poderia então acabar o mundo porque eu era uma mulher
realizada.
A ideia é reportar esta
realidade sonhada em algo concretizável. É certo que a ideia de deixar de viver
dividida entre os meus dois mundos, rodeada de todos os que amo, me parece
dificilmente concretizável... Mas quanto às outras coisas... Tal como diz alguém
que eu conheço... "Viver um dia de cada vez".
Testamento espiritual
"Mas afinal o que é
isto?", pensei eu quando me foi pedido para o realizar.
O testamento espiritual
é o tipo de testamento que tu nunca escreveste mas que realizaste sem saberes,
embora num período de vida tão curto. Um testamento que tu criaste e que toda a
família se encarregou de lê-lo por ti.
No fundo é a maneira de como gostaria de ser lembrada pelos outros após
morrer. Eu escrevi o meu e sim, vou partilha-lo contigo, embora eu saiba que já
sabes aquilo que escrevi.
"Eu quero ser lembrada como um exemplo de vida, que todos digam que
tive uma vida feliz e realizada baseada em 5 eixos:
- Infância adolescência: quero que se lembrem
que fui uma criança mimada mas não estragada, que fui feliz e que desde cedo
aprendi a lidar com a saudade; que cresci e me tornei numa adolescente bonita,
atrevida, sonhadora e curiosa, que vivi o grande amor da minha vida e sofri o
meu primeiro desgosto amoroso, mas que me transformei numa mulher confiante.
- Profissão: quero que se lembrem de
mim como uma enfermeira de excelência, que lutou para conquistar o seu lugar ao
sol a cuidar de quem mais precisa, oferecendo sorrisos a todos.
- Amor: quero que se lembrem de
mim como uma mulher que amou incondicionalmente, que se entregou de corpo e
alma ao amor, que fui uma romântica incorrigível toda a vida.
- Família quero que se lembrem de
mim como o pace-maker da família, quero que se lembrem que fui uma filha
exemplar e aplicada, uma esposa apaixonada, uma mãe dedicada e uma avó
realizada.
- Espiritual/intelectual: quero que se lembrem de
mim pelas minhas palavras, pela minha vontade de escrever e partilhar os meus
sentimentos; quero que todos leiam O MEU LIVRO e sintam alegria por perceberem
que sim, fui uma mulher feliz.
Em suma, apenas quero que se lembrem de mim... "Sim, ela foi uma
mulher feliz; amou e foi amada"
Carta para a minha neta...
Pensei logo num pedaço
de papel escrito por ti com um recado teu a dizer "Gosto muito de
ti"... Num pedaço de papel que nunca existiu mas que adorava guardar na
minha carteira para dar um dia a minha neta. Mas contento-me com o facto de te
sentir presente em todos os dias da minha vida e de saber que olhas por mim.
Este exercício provocou em mim alguma inquietude porque em muitos momentos,
enquanto escrevia, as lágrimas surgiram nos meus olhos. A ideia era imaginar
que estava na fase final da minha vida e escreveria uma carta para deixar a
minha neta. Inicialmente foi fácil transcrever para um pedaço de papel tudo
aquilo que já vivi... O difícil foi pensar naquilo que ainda não vivi e
tenciono viver e no medo de não conseguir concretizar o que desejo. É certo que
pensar numa velhice feliz é muito fácil e a tendência natural é escrever tudo
muito floreado e bonito... Mas se na verdade não for assim? Isso sim
inquieta-me e deixa-me apreensiva. Sabes que escrever e conduzir os meus sonhos
num pedaço de papel para mim é muito fácil, mas amedronta-me pensar que no
final possa estar sozinha sem ninguém ou até mesmo incapaz de fazer do papel e
da caneta a minha ocupação.
Não acabei de escrever a carta, não porque tenha falta de imaginação ou
porque não tenha presente na minha cabeça aquilo que quero para mim, apenas
porque nesse dia acabou o tempo de formação e depois lá veio a falta de tempo e
disponibilidade... Então apenas guardei o papel e prometi a mim mesma um dia
acabar de escrever essa carta, explicando o contexto onde foi escrita e
anexar-lhe um bilhete a dizer "Gosto muito de ti" para um dia poder
ser lida pela minha neta.
Um dia tenho a certeza que irei partilha-la contigo.
A minha morte...
Dói só de pensar...
Mas sim, fui conduzida a idealizar a minha morte e transcreve-la num pedaço
de papel: não a forma como quero morrer, mas sim o que quero sentir, o que
quero e quem quero do meu lado nesse momento.
Há pouca coisa a dizer e como vês, o desenho fala por si.
Posso acrescentar que tudo o que vês dentro do circulo é referente a tudo
aquilo que quero sentir. Tudo o que está fora são os recursos que quero ter
nesse momento.
Curioso... Já tinha pensado uma ou duas vezes da forma como vou morrer mas
nunca pensei naquilo que queria sentir... E de facto fiquei surpreendida com a
brincadeira que fiz com recortes e com lápis de cor.
Estes foram alguns, entre outros, dos exercícios que fiz na formação.
O que fica?
Foi uma experiência enriquecedora com momentos de partilha muito íntimos, momentos
de alegria mas também alguma angustia ou tristeza quando conduzida a pensar em
coisas que imagino num futuro muito longínquo. Conheci mais intimamente o meu
EU e adorei conhecer todas as pessoas que participaram na formação comigo. Levo
os exemplos para a minha prática profissional na expectativa que a morte deixe
de ser para mim aquele assunto do qual tento sempre fugir e que seja capaz de
preparar a vida e a morte com a mesma preparação.
Diana Mendes
02 de Maio de 2013
2:02 AM